Cabeça de gente sempre foi igual

Temos uma ideia de que, com a internet, os smartphones e as redes sociais, as coisas estranhas da humanidade vem proliferando-se. Crimes, situações absurdas e todo tipo de underground humano aparecem e chocam, claro. Mas podem também tornar-se brincadeiras ou banalidades.  

Acontece, porém, que as estranhezas humanas são tão antigas quanto a própria humanidade. Talvez haja por aí um sentimento romântico de que as pessoas do passado fossem mais ingênuas ou inocentes do que somos hoje. Porém, um passeio curto pela História nos mostra que as coisas nunca foram assim. As pessoas são capazes de grandes atos de generosidade e de escabrosidades imensas.

Lendo “Crime e Castigo” do Dostoyevsky isso fica premente. A obra foi escrita há mais de 100 anos e mostra como um crime pode ser “banalizado” na cabeça de quem o comete. O que nos faz pensar: como é que o sujeito consegue dormir depois? Bem, se ele não liga para o que fez, dorme muito bem, obrigada.

Ao mesmo tempo, fica claro também o quanto a cabeça de alguém pode rodar e enlouquecer com a culpa. Talvez seja realmente verdade que as pessoas não são ilhas. Que elas precisam de acolhimento e de ouvidos. Penso que essa é uma das premissas humanas: estar em grupo e, com isso, compartilhar as coisas.

O enredo dessa obra – clássica – é dado e conhecido. Todo mundo sabe o que acontece. No entanto, são as sutilezas dele que nos pegam e fazem com que essa história continue a dialogar conosco. Protagonista comete um crime. Fica paranóico com a culpa. Quer se redimir. Acaba revelando o que fez para quem confia. É preso e consegue um redenção com a ajuda de uma mulher – uma menina, convenhamos – de olhos azuis.

Embora nada disso possa ser novidade, o entendimento – e a crítica – niilista que o autor faz nos mostra como corremos um sério risco de subestimar outras pessoas ou super estimar a nós mesmos porque achamos que sabemos mais que outros. Ora, cara pálida, há sim coisas que sabemos mais… MAS, há muitas coisas que sabemos de menos.

Assim, isso me coloca para refletir sobre o quanto achamos que somos especiais por isso ou por aquilo. O mundo é tão grande e tão cheio de gente, com tantos tipos de saberes… Pode ser mesmo que depois que as nossas vidas aqui acabem, não haja mais nada mesmo e que não estejamos a disposição de uma justiça divina etc e tal. PORÉM, o que nos permite de fato que influenciemos a vida dos outros, de forma negativa, simplesmente por que achamos que temos um “quê” a mais que os outros não tem?

O que nós não temos? Não vemos? Não percebemos? Acredito que é importante que nos coloquemos como indivíduos e como tais, capazes de modificar o mundo que nos cerca. Mas, se ainda estamos naquela premissa de que somos todos seres de comunidade, por que não perceber o “especial” em cada um que nos cerca?

Sei que existem as afinidades. Os desgostos. E um jeito de lidar com eles talvez seja apenas os colocando de lado ou enfrentando-os quando necessário.

A culpa, imagino, seja a mãe de todas as paranoias. Afinal, quem não deve, não teme. Porém quem não deve algo para alguém? Somos capazes de falhas e a tentativa de acertar essas arestas é que realmente dão aquela paz de poder dormir a noite e não estar constantemente doente como o protagonista de “Crime e Castigo”. 

Por fim, a culpa é uma gastadora de energia. Pois, ela só é debelada quando tomamos determinados problemas nas mãos e olhamos para elas. A culpa é uma das sombras da alma e ela vai te lembrar que existe toda vez que sair ao sol.

Então, ficam aqui dois convites:

1 – leia “Crime e Castigo”. É longo, eu sei. Mas vale a pena para conhecer a cabeça de outras pessoas que podem ser iguais ou muito diferentes da gente. Aliás, histórias bem contadas fazem isso o tempo todo.

2 – Que tal tentar agir hoje sobre algo que pode incomodar e se tornar objeto de chantagem – emocional ou física – até de nós mesmos com o espelho?

Boas leituras,

Pietra