Confluência literária

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Uma das coisas mais significativas no meu mundo são as confluências ou as sincronicidades entre a vida e a arte. Não a minha… mas, as que eu encontro por aí. Graças ao clube de assinaturas de livros que eu fiz em janeiro deste ano, tenho recebido livros bastante interessantes. Mas, um deles deu um “ping” aqui dentro e a resposta foi imediata.

Estou lendo o livro Stoner, de John Williams. E a grata surpresa é o tanto que ele vem reverberando dentro de mim. Tanto, que me colocou para escrever às 8 da manhã. Não cheguei no meio do livro ainda, mas ele me deixou acordada até às 2 da manhã deste mesmo hoje.

Stoner é uma obra de 1965 que só nesta década ganhou reconhecimento. Conta a vida de um filho de agricultores que tornou-se professor de inglês numa universidade. A prosa é limpa e direta, contando a vida de um cara simples que passa pelos problemas da vida – como todos nós – e ganha seus momentos de inspiração e frustração, como todos nós.

Muito bem. O que foi que me pegou? Além da simplicidade da narração – e simplicidade tornou-se algo que estou valorizando imensamente – é notar como a vida comum, como a minha ou a sua, é cheia de momentos de crescimento e valores.

Quando William Stoner, o protagonista, é chamado pelos colegas – e pelos acontecimentos mundiais – a alistar-se no exercito norte-americano para ir à Primeira Guerra, ele decide, contra todas as pressões externas que não o faria. Não sentiu culpa ou remorso. No entanto, para fechar a sua decisão, foi buscar conselho de seu “mestre”, o professor que, com suas aulas de Literatura, o fez sair da faculdade de Ciências Agrárias e ingressar na de Inglês, onde conquistou seu doutorado.

Ando pensando seriamente sobre as pressões externas que sofremos diariamente e nas decisões que tomamos contrárias a elas. Não simplesmente para ser do contra, mas para fazer valer o que tem significado para nós. O entendimento da realidade é tão pessoal e intransferível que, podemos encontrar ótimos argumentos de muitos lados para seguirmos tal ou qual caminho, mas são as nossas vivências que fazem o resultado final acontecerem.

Stoner é um professor. Eu sou professora. Encontramos em nossos caminhos adversidades imensas no trabalho. Naquilo que acreditamos estar fazendo da melhor forma e que pode ser visto como uma frivolidade ou qualquer outro entendimento menos virtuoso. É importante manter um ambiente amigável e produtivo no trabalho? Sim, é. É mais importante viver sua verdade? Sim, é.

Assim, recomendo a leitura de Stoner. E peço a troca de experiências entre leitores sobre os livros, a Arte, que imita a nossa vida.

Pietra

Cabeça de gente sempre foi igual

Temos uma ideia de que, com a internet, os smartphones e as redes sociais, as coisas estranhas da humanidade vem proliferando-se. Crimes, situações absurdas e todo tipo de underground humano aparecem e chocam, claro. Mas podem também tornar-se brincadeiras ou banalidades.  

Acontece, porém, que as estranhezas humanas são tão antigas quanto a própria humanidade. Talvez haja por aí um sentimento romântico de que as pessoas do passado fossem mais ingênuas ou inocentes do que somos hoje. Porém, um passeio curto pela História nos mostra que as coisas nunca foram assim. As pessoas são capazes de grandes atos de generosidade e de escabrosidades imensas.

Lendo “Crime e Castigo” do Dostoyevsky isso fica premente. A obra foi escrita há mais de 100 anos e mostra como um crime pode ser “banalizado” na cabeça de quem o comete. O que nos faz pensar: como é que o sujeito consegue dormir depois? Bem, se ele não liga para o que fez, dorme muito bem, obrigada.

Ao mesmo tempo, fica claro também o quanto a cabeça de alguém pode rodar e enlouquecer com a culpa. Talvez seja realmente verdade que as pessoas não são ilhas. Que elas precisam de acolhimento e de ouvidos. Penso que essa é uma das premissas humanas: estar em grupo e, com isso, compartilhar as coisas.

O enredo dessa obra – clássica – é dado e conhecido. Todo mundo sabe o que acontece. No entanto, são as sutilezas dele que nos pegam e fazem com que essa história continue a dialogar conosco. Protagonista comete um crime. Fica paranóico com a culpa. Quer se redimir. Acaba revelando o que fez para quem confia. É preso e consegue um redenção com a ajuda de uma mulher – uma menina, convenhamos – de olhos azuis.

Embora nada disso possa ser novidade, o entendimento – e a crítica – niilista que o autor faz nos mostra como corremos um sério risco de subestimar outras pessoas ou super estimar a nós mesmos porque achamos que sabemos mais que outros. Ora, cara pálida, há sim coisas que sabemos mais… MAS, há muitas coisas que sabemos de menos.

Assim, isso me coloca para refletir sobre o quanto achamos que somos especiais por isso ou por aquilo. O mundo é tão grande e tão cheio de gente, com tantos tipos de saberes… Pode ser mesmo que depois que as nossas vidas aqui acabem, não haja mais nada mesmo e que não estejamos a disposição de uma justiça divina etc e tal. PORÉM, o que nos permite de fato que influenciemos a vida dos outros, de forma negativa, simplesmente por que achamos que temos um “quê” a mais que os outros não tem?

O que nós não temos? Não vemos? Não percebemos? Acredito que é importante que nos coloquemos como indivíduos e como tais, capazes de modificar o mundo que nos cerca. Mas, se ainda estamos naquela premissa de que somos todos seres de comunidade, por que não perceber o “especial” em cada um que nos cerca?

Sei que existem as afinidades. Os desgostos. E um jeito de lidar com eles talvez seja apenas os colocando de lado ou enfrentando-os quando necessário.

A culpa, imagino, seja a mãe de todas as paranoias. Afinal, quem não deve, não teme. Porém quem não deve algo para alguém? Somos capazes de falhas e a tentativa de acertar essas arestas é que realmente dão aquela paz de poder dormir a noite e não estar constantemente doente como o protagonista de “Crime e Castigo”. 

Por fim, a culpa é uma gastadora de energia. Pois, ela só é debelada quando tomamos determinados problemas nas mãos e olhamos para elas. A culpa é uma das sombras da alma e ela vai te lembrar que existe toda vez que sair ao sol.

Então, ficam aqui dois convites:

1 – leia “Crime e Castigo”. É longo, eu sei. Mas vale a pena para conhecer a cabeça de outras pessoas que podem ser iguais ou muito diferentes da gente. Aliás, histórias bem contadas fazem isso o tempo todo.

2 – Que tal tentar agir hoje sobre algo que pode incomodar e se tornar objeto de chantagem – emocional ou física – até de nós mesmos com o espelho?

Boas leituras,

Pietra

 

A odisséia de Penélope

A odisséia de todas as mulheres.

Mais um livro maravilhoso lido. “A Odisséia de Penélope” de Margaret Atwood é um livro sensível, de uma mulher, para mulheres, sobre mulheres.

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É… não é fácil ser mulher a nenhum tempo. E de fato, para a vida vale uma epopeia. Inseridas no contexto que estamos, literariamente, no qual mulheres muitas vezes servem para levantar arcos de histórias masculinas ou nas quais são aquelas que serão as resgatadas, a história de Penélope e suas 12 escravas nos mostra o quanto a vida não mudou em tantos séculos.

Não é uma questão de fazer dos homens vilões. De jeito nenhum. Pessoas são vilãs. O Bom, o Belo e o Verdadeiro não escolhe gênero. Se instalam no viver das pessoas que buscam coisas diferentes, que têm a ousadia de sair da caixa e olhar em volta.

O livro conta a história de Penélope que esperou por 20 anos o regresso do marido, Odisseu (ou Ulisses) de sua ida à guerra de Tróia. Guerra, aliás, que começa pelo “rapto” de sua prima, Helena e deixou a Grécia em polvorosa. Como toda guerra, vidas se perderam… E o que podemos saber sobre ela pode ter sido bem relatado por Homero. A pergunta é: e quem fica em casa? Mais: uma rainha que fica em casa com gente a sua volta querendo seu trono e suas terras a qualquer custo?

Bem, senhoras e senhores, o que disso não acontece todos os dias? De todas as dores de cabeça que as mulheres passam para seguir para o trabalho, cuidar de casa, dos filhos… tudo junto e misturado? Das empresas que pensam duas vezes antes de contratar mulheres que tenham filhos, pois elas podem faltar no trabalho? E aquelas que acabaram de se casar e podem engravidar e aí tirar licença maternidade? E aquelas que engravidam por conta de uma violência e são compelidas a acreditar que têm culpa no cartório? E as que não querem?

Nosso sistema é cruel de mulheres com mulheres. Sim, ouvimos diariamente que essa ou aquela não presta. Que o estupro é justificado. Que o aborto é condenável. Que nós não podemos ser donas de nossos destinos até que as Moirae cortem os nossos fios e a respiração cesse.

O estratagema de Penélope a serviu para manter sua casa em relativa ordem enquanto homens que se julgavam no direito delapidavam a sua soberania. E não pense que o fez pelo marido e suas terras. Seu marido era apenas uma salvaguarda. Penélope sabia que, como rainha, valia apenas para um casamento consumado e, se em pouco tempo morresse, o rei ficaria, fosse quem fosse, Odisseu ou José.

É curioso pensar que, ainda hoje, se uma mulher utiliza qualquer arma que tem é condenada. Se é a inteligência, é uma dissimulada, desonesta. Se é o corpo, a sexualidade, é uma vadia, uma puta, uma mulher de vida fácil. Acredite, nenhuma vida é fácil. Até a do ímpio, pois o quanto de trabalho ele não tem de ter para fazer crer que sua desonestidade é séria e digna de crença?

Ler livros, conhecer histórias de mulheres sobre mulheres é importante para todos. Para compreender que existe uma batalha queimando. E que as outras são, talvez, espelhos de nós mesmas. No mundo, existe de tudo. E precisa de um olhar sensível. Tanto para não cometermos os mesmos erros quanto para ter a ousadia de ser o que queremos ser.

Pietra

Leia antes de ver

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Uma das coisas interessantes dessa vida é quando percebemos como os livros têm uma influência transparente no nosso universo de cultura pop. Muitos dos filmes que fazem sucesso e acabam criando um legado ou uma franquia, são vindos de livros. Não tem Audrey Hepburn em “Bonequinha de Luxo” se ele não tivesse sido escrito antes por Truman Capote. Ou Robin Williams em “Tempo de Despertar” se Oliver Sacks não o tivesse escrito antes. E a lista é imensa… Tom Cruise em “Entrevista com o vampiro”, da Anne Rice… e até Gary Oldman como Drácula ou Sirus Black sem as páginas escritas. Simples assim.

A questão é que nem sempre as coisas são assim claras e transparentes.

“Como assim esse filme veio de um livro????”

Pois é… os roteiros originais andam cada vez mais difíceis de encontrar. Ainda mais com um roteiro bom. Embora, eu tenha tido uma surpresa agradável, por exemplo, vendo os webisodes de “The Walking Dead” pela internet – que veio de quadrinhos… ou seja, a série esteve escrita em papel antes.

Talvez a Literatura seja um ensaio. Para ver o que funciona ou não. Pode ser que a coisa aconteça porque os escritores são verdadeiramente novelistas e capazes de desenvolver boas tramas que acabam por ficar interessantes quando colocados na tela prateada. E em Doudy Digital. Enfim… muitas coisas começam nas páginas.

Muitas vezes, quem curte os livros faz um caminho de ler o livro e ir ver o filme. Há quem se antecipe… tal história vai sair em filme, então corre pra livraria – ou para a Loja da Amazon. Outros, já leram aquele filme e esperam para ver o que vai ser feito dele. Isso costuma gerar uma certa tensão… e os resultados dificilmente agradam os leitores fãs de uma história. Nesse último, preciso dizer que me impressionei com a versão cinematográfica de algumas obras que eu gosto bastante, como “Ensaio sobre a cegueira”.

Mas, existem aqueles momentos que um filme te leva para o livro. Seja pela fome de mais informações. Seja pela curiosidade. Seja para entender alguns pontos que são mencionados que precisam de arremate.

Geralmente, tive boas surpresas. Quando li “O iluminado” fiquei encantada pela trama e não consegui largar o livro. Consegui perceber uma dimensão além do personagem Jack Torrance. Por vezes, até, parece que temos dois personagens… o do livro e um levemente baseado nele, o do filme.

Enfim…

Esses dias caiu na minha mão uma versão dos anos 1960 de “Psicose”, de Robert Bloch. O romance (?) – tá mais pra conto ou novela do que pra romance, mas enfim – inspirou o filme feito por Alfred Hitchcock em 1961.

É curioso pensar como algumas obras, durante os anos 60 ficaram pouco tempo nas páginas para se tornarem verdadeiros cults do cinema… “O bebê de Rosemary”, “Bonequinha de Luxo” e outros, poucos sabem que nasceram de livros.

“Psicose” é um livro interessante – embora a cópia que eu estou lendo seja estranha. Ela é mal traduzida e a escrita ainda é naquele português que acentua “êle”, por exemplo. Mas, dá pra saber exatamente do que se trata.

Até onde eu fui na leitura, a coisa é muito semelhante ao filme. Praticamente, é como se eu estivesse lendo o roteiro. Porém, alguns detalhes melhoram a trama. Os diálogos internos de Norman Bates e suas conversas com a mãe são muito bacanas e mostram bem como a cabeça de quem “não bate bem” funciona. Além disso, existem algumas diferenças em detalhes, como a morte de Mary Crane – no livro, Mary.

Tem sido uma experiência diferente. Não se trata de um livro que sabemos que encontraremos diferenças significativas, como em “O iluminado”. É um livro quase igual ao filme… e deixa pouco para a imaginação. Porém, eu fico imaginando o que sentiu quem pode ler o livro antes de ver o filme. Não, à toa, é o caminho da tradição que deve ser mantido.

Pietra

Começando a entender Ulisses

Marilyn lendo “Ulysses”.

Depois das razões explicitadas do por quê eu resolvi encarar “Ulisses”, de James Joyce e com 5% lidos – de acordo com o meu Kindle – E com uma edição em português e outra em inglês para dar conta de palavras como verdemeleca, estou começando a perceber qual é que é. Talvez isso tenha me dado um fôlego novo para levar a leitura.

O que pega, eu estou pensando, do pouco que eu li é o estilo. Muitos jeitos de escrever estão colocadas numa obra só. Outra coisa, também, seja o ambiente… afinal, se eu não sei tudo de São Paulo, onde eu moro, quem dirá de Dublin.

Como está no começo, vou começar o capítulo 4, a história em si está enuviada, no entanto, imagino que, tendo uma ideia sobre a genética do livro e percebendo sua escrita, ela se desenrolará.

Se Joyce tirou a coisa do zero, por que, diabos, eu não vou dar conta da história? Não estou dizendo que será o livro da minha vida, mas está se mostrando uma experiência literária interessante. Em breve, mais sobre esse dia em Dublin.

Ah, Joyce, vc não vai c***r na minha cabeça sem eu reagir!

Pietra

Sylvia Plath e a Figueira

Eu me vi sentada aos pés desta figueira, morrendo de fome, pelo simples fato de que não conseguia me decidir sobre qual figo deveria pegar. Eu observava cada um deles, mas escolher um significaria perder todos os outros.
Eu me vi sentada aos pés desta figueira, morrendo de fome, pelo simples fato de que não conseguia me decidir sobre qual figo deveria pegar. Eu observava cada um deles, mas escolher um significaria perder todos os outros.

Eu sou uma pessoa da gênese. E do estilo. Como disse a querida N., não adianta nos prendermos ao texto cru, se não sabemos de onde ele vem, ou ainda, por que ele vem. Todos os autores que me encantam acabam ganhando essas pesquisas… Saramago, Woolf, Couto, Huxley, Lee. Agora, Plath. Como aquelas propagandas ruins de rádios populares, a “coisa” do momento é Sylvia Plath.

Não cheguei na metade de “The Bell Jar”, (A Redoma de Vidro, em português), mas estou presa. O texto é gostoso de ler e como é interessante estar dentro da cabeça de alguém. Saber como ela pensa a medida de que passa pelas coisas. Talvez seja a beleza dos “streams of conscience”. Woolf tem muito disso. Me contaram que Joyce também. Bem brevemente…

Sylvia foi poeta, principalmente. “The Bell Jar” foi o seu único romance publicado e basicamente é uma autobiografia, com algumas ficções e dramatizações… bem, seus poemas eram assim também. Seu estilo era um de contar o que estava em si, em acontecimentos e em sentimentos.

E ainda não tendo chegado à metade do livro, estou pensando e repensando na alegoria da figueira que ela escreveu. Que estamos sob uma figueira e que ela têm muitos figos, lindos e apetitosos. Cada um deles, uma de nossas fantasias de vida: ser uma boa esposa com uma linda família; ter uma tremenda carreira; ser uma campeã olímpica; e quantos outros estão ali aos quais ainda nem pensamos. Porém, com medo de escolher um e perder o sabor dos outros, ficamos embaixo dela, com fome. E assim, eles apodrecem e caem aos nossos pés.

E penso que isso é muito triste. Que isso tem muito a ver com as nossas vidas. Mas também com a condição que Sylvia tinha. A depressão e a incapacidade de respirar. De estar o tempo todo sob uma pressão de pensamentos incessantes que nunca se realizam.

Eu sei que a vida é o colher desses figos. Alguns, colhi e comi. Mordi e engoli o bicho que estava dentro deles. Outros ainda, tão suculentos que nem acreditamos que tenhamos aquilo em nossas mãos. Mais alguns, acredito, nos são oferecidos. Os comemos ou não.

São essas pequenas escolhas que desenrolam o que nos tornamos. E penso que não tem por onde: não podemos morrer de fome. Um ou outro, acabamos escolhendo.

Pessoas como Plath, no entanto, morreram mesmo de fome. E fico imaginando o que foi a vida de uma mulher que mesmo afogada em si mesma, colocou o que tinha para fora (ou colocou?). Talvez o grande desafio do escritor seja isso mesmo: por em palavras o que se embaralha dentro da cabeça.

Por enquanto, poucos figos me fazem arrepender. Mesmo porque, tirar alguns dos galhos, apresentaram alguns outros. Mais altos. Mas muito melhores de aproveitar.

Plath usou as palavras para dar forma a uma alma de mulher. E estou aqui pensando o quanto mais de mulheres precisam disso?

O quanto mais precisamos expor, sem medo, quiçá com poesia para não colocar a cabeça dentro de um forno?

Se não aproveitarmos bem os figos maduros e deliciosos que podemos alcançar, viveremos confinadas numa redoma de vidro, cheia de gás carbônico…

Pietra

PS: a dor física que ando sentindo tem muito desse gás que vai consumindo aos poucos. Desfigura os olhos que olham para os figos roxos e gordos da árvore. Desejo que logo cortem isso… O meu figo de ouro é retomar o que eu sei que posso.

A vida dentro e fora dos livros

Hoje o blog fez um ano. Então resolvi olhar as postagens de volta, para ter um pequeno panorama do que aconteceu nesse tempo. Eu li bastante, choraminguei um pouco, fiz algumas ponderações. Tivemos aqui quase 850 views e reitero que os postings mais famosos ou com mais visitas foram os de desabafo e pseudo-mimimi – talvez seres humanos buscando espelho para seus abafos.

Quando eu criei esse blog foi mesmo para desanuviar a cabeça. Tirar de dentro de mim coisas que eu li, que eu pensei, coisas legais que eu fiz… Enfim, coisinhas de vida que eu sempre achei que não cabem no Facebook.

Mas, uma das ideias que eu tinha, mesmo antes de começar esse blog e que ainda estão tão presentes é como aquilo que a gente carrega na vida fictícia acompanham a vida não-ficção que temos. E claramente estou falando dos livros.

Eu sigo um board no Pinterest que é uma comunidade de livros, e nela todo tipo de livros, listas, falas de autores, entrevistas, capas etc etc etc, figuram. E isso dá ideias e parâmetros, do que ler, do que não e por aí vamos. Com isso, eu acabo vendo muitas coisas de autores consagrados que aguçam sim minha curiosidade e me fazem ir pela internet buscando os diachos dos livros em formato MOBI – para Kindle – e saciar essa vontade toda de me meter na vida dos outros. Não tem jeito, sempre que começamos uma obra de ficção, estamos entrando numa vida alheia para vive-la com aquelas personagens. Tudo isso começou conscientemente em 2012, quando li “Ensaio sobre a Cegueira”, do Saramago. Daí pra frente, peguei muitas coisas interessantes pela frente que te fazem pensar exatamente no mundo em que vivemos e nas relações que temos com as pessoas.

Nos últimos dois meses porém, eu li 3 livros de não-ficção: A briefer History of time, do Stephen Hawking; Teatro do Bem e do Mal, do Eduardo Galeano; e Don’t know much about mythology do Kenneth Davis. Todos muito interessantes, obviamente, mas sabe quando falta alguma coisa?

Então, ontem, passando em frente a um “sebo gourmet”, segundo o B., eu vi na vitrine uma pancada de livros bons, alguns que eu já li e resolvi buscar mais um livro para me inspirar nesses dias que o blog estava tão parado.

Das listas de livros banidos, escolhi “The bell jar”, da Sylvia Plath. Já foram 10% do livro e o relato é bem interessante. Primeiro que acontece em Nova Iorque, que é uma cidade que dá um caldo literário. Depois que ela vem mostrando uma ideia curiosa e interessante de que ela está vivendo uma coisa que muita gente mataria para ter, mas de uma forma meio distante, quase desdenhosa.

E fiquei pensando um pouco nisso. Penso nisso sempre, aliás. De uma perspectiva de fora, aqui em casa vivemos uma vida boa. Não que fazemos todos os pontos se amarrarem, porque eu imagino que isso nunca vai acontecer… sempre tem uma aresta na vida que precisa de aparos.

De toda forma, a impressão que eu tenho, já faz uns 3 anos é que sempre que um livro “cai” nas nossas mãos, ele vem mostrar alguma coisa para gente sobre a nossa vida, que merece uma atenção. Pode ser sincronicidade. Pode ser o simples fato que a Literatura é uma forma de arte e como tal, é um retrato humano, e assim, nos vemos espelhados nela.

Toda história não termina nela mesma. Ela funciona e existe porque o leitor constrói uma relação com o que está acontecendo. São seres humanos se olhando por meio de palavras.

Eu sempre digo que gosto de conversar com pessoas inteligentes, porque elas sempre nos acordam para aquilo que não sabemos ou para perspectivas que não havíamos imaginado. Notamos a nossa pequenez e até, como dizia o filósofo, para nossa ignorância. O quanto de tudo ainda não sabemos ou não saberemos? É difícil de mensurar.

Por fim, ler livros informativos é ótimo, pois em seus fatos didáticos aprendemos coisas sobre coisas absolutas da vida. Como um estudo acadêmico, científico, medido e observado, relatado e “provado”. A ficção, não. Ela nos leva para as conjecturas e pelos relativismos dos olhos dos outros. Daquilo que pensam e percebem sem a menor pretensão de que aquilo seja medido ou provado. O relato da nossa própria vida é uma versão daquilo que gira no mundo enquanto ele viaja a 30km/s. Todos os dias.

Assim, como no primeiro posting desse blog, quando um livro de uma mulher me inspirou a começar a escrever aqui, sobre mulheres escrevendo no mundo, vem outra mulher, Sylvia Plath e começa a me encher de palavras e sementes de novo. Isso é importante. É o ar que eu leio e escrevo.

Pietra

“O bebê de Rosemary”, Ira Levin e as mulheres negociadas

Mais um que foi pra conta… esse no reader.

Imagem do site “A estante do Visconde” – vale ler a resenha tb!

Li o original – gosto de sentir a linguagem do autor em sua língua nativa, quando eu dou conta dela… Gostei. De muito, quem viu o filme, basicamente, leu o livro. O final tem um toque diferente… mas podemos falar sobre isso nos comentários, afinal de contas, é chato posting com spoiler. Pessoalmente, gostei do final do livro, porque revela bastante da natureza da própria Rosemary (e fico pensando de muitas pessoas que se dizem tão grandes em sua espiritualidade e enfrentam o que ela enfrenta).

O que chama muito atenção no livro é a relação entre Rosemary e Guy, seu marido. Além de topar a “troca” de fama pelo bebê e pela sanidade de sua esposa. Penso que o que Guy faz, não literalmente, mas bem figurativamente, é muito próximo do que muitos homens fazem em seus relacionamentos. Além de ser um sujeito distante e egocêntrico, ele abusa de Rosemary. Nunca fisicamente. Mas, quantos dos abusos que acontecem são necessariamente físicos? Nem todos os homens descem ao nível físico… mas, fazem mal às suas companheiras. Cuidam mal, pouco ligam. Quantos e quantos homens não mantém um relacionamento pela “fachada”? Alguns podem dizer que é culpa dela. Que não saiu. Que anuiu. Talvez… mas, é preciso culpar a vítima? Em momentos turbulentos, quantas pessoas (nem homens, nem mulheres) percebem-se presos em relacionamentos sem saída? Penso que algumas pessoas são tão tóxicas para outras que envenenam de tal forma que o outro mal e mal consegue respirar… A dor que Rosemary sentia era em seu corpo. No entanto, penso o quanto dela não era um reflexo do labirinto que ela se meteu/ foi metida quando se mudou para o Bramford.

O que se dá com o bebê foi o resultado. O final de uma trama que foi feita sem que ela tivesse qualquer consciência ou conhecimento. Quanto disso não acontece todos os dias? Quantas pessoas não são engendradas nos esquemas alheios? Pela vaidade ou pelo orgulho? Quanto de atenção temos de ter em relação a quem está à nossa volta?

Rosemary é uma das tantas mulheres que, tentando viver um sonho, uma vontade que é empregada pelo meio social – ser mãe, ser uma boa mãe, acabou sendo tomada por uma situação muito maior que si mesma. E muito longe do que acreditava ser o ideal. Talvez o ideal não exista, mas será que não pode ser minimamente dentro de nossas possibilidades de conhecimento e entendimento? De lida com o momento?

De uma leitura completa no Kindle, posso dizer que gostei muito. Além de ser extremamente confortável para ler – é leve, tem um tamanho bastante adequado para as mãos, a luz para os olhos é bem gostosa para acompanhar a leitura; o reader também oferece bons recursos como poder fazer alguns compartilhamentos em redes sociais como o Facebook e o GoodReads. Ah, e duas coisas que amei: o dicionário online: vc marca a palavra e o significado vem na tela… e o acesso à Wikipedia para fazer mais pesquisas sobre um assunto, personagens, etc… recomendo bastante. Mesmo porque, os livros em papel, eu sempre leio com o iphone do lado. Tanto para busca de palavras, quanto para essas pesquisas. Quem tiver oportunidade, vale a pena experimentar.

Para a próxima leitura, ainda estou em dúvida. Mas vai ser em papel. Quero liquidar meus livros físicos para poder me encher de livros online… ai, minha santa Wish List, que já tem Roberto DaMatta e Bret Easton Ellis…

Pietra

Nivelar por baixo é dar oportunidade igual?

Vendo a revisão de um material didático para o primeiro ano do Ensino Fundamental 1 destinado à escolas públicas, passei por uns momentos de choque e de reflexão.

Na educação existem muitas formas de entender o processo e, com isso, muitas outras tantas de aplicar o ensino de forma com que ele se dê e o aluno aprenda alguma coisa. Educação é um estudo e isso pressupõe que correntes sejam contrárias, até contraditórias. Envolve filosofia, como o professor se relaciona com aquilo que ensina, quais estratégias conhece, como aprendeu: o que pode gerar embates homéricos entre linhas de trabalho.

Sem dúvida, o tempo histórico, o local, a cultura e o pensamento de um povo influenciam na forma com que as crianças ou alunos são entendidos e na forma com que se trabalha com eles. Para mostrar isso estão aí as idéias do Paulo Freire, da Maria Montessori, da pedagogia Waldorf. E uma coisa é certa: se quem trabalha com essas linhas – e não métodos – não acredita nelas, elas valem nada.

Uma forma de trabalhar que é muito corrente e alvo de críticas é o tal do “ensino tradicional”, conteudista e classificatório. O cume dele, na minha opinião, são testes como os vestibulares. A questão de absorver e reproduzir o máximo de conteúdos, conceitos, fórmulas e afins geram pessoas que têm muitas informações e que, não necessariamente, conseguem fazer relações entre essas coisas todas. Além de uma competição brusca: quem sabe mais, pode mais, vai mais além.

Toda vez que falamos de educação tem tanta coisa envolvida que não se limita ao fato de ter um conteúdo, um professor e um aluno. A sala de aula fala, os livros, textos didáticos influeciam, a postura do professor é determinante. Na educação, tudo significa alguma coisa. Tudo que o professor faz demonstra a sua filosofia sobre ensinar e aprender.

Dito isso tudo, ao observar a feitura daquele material didático para ensino de língua portuguesa ao primeiro ano, comecei a encher a minha cabeça de minhocas. Primeiro de tudo, porque parece insultar a capacidade cognitiva dos alunos e de reflexão do professor, segundo porque não enxerga o aluno como um produtor, um autor. Ela é um reprodutor de palavras.

Eu SEI que isso funciona em um número de situações. A defesa do material é que ele é “puxado” e oferece ao professor mais horas/aula de trabalho com os alunos. A coisa é que, com esse material, o aluno é compelido a ler. Numa abordagem fonético e de silabação.

Qual é o meu ponto com essa coisa toda? Bom, eu não acho que uma boa aula se vale pela quantidade do que é feito, mas pela qualidade de pensamento que uma criança pode criar, desenvolver. Materiais como esse não lidam com potencialidades. Lidam com produção. Que é importante, senador significativa.

Isso é coisa do ser humano. Se algo não significa nada, ele é “coisifcado” Numa coisa que pode ser deixada de lado. Que não tem valor. Aprender a ler e escrever, pensar sobre o que se escreve, escolher o que ler tem um tremendo valor.

Por fim, me mata a idéia de que os alunos são nivelados por baixo. Porque aquele que tem mais dificuldade vai sempre continuar ali, quando aquele que consegue ir mais além fica chateado. Surge a indisciplina, a tentativa de transgredir com o que nos entende por tolos.

Professores precisam ser mediadores entre o conhecimento existente e o que os alunos já sabem. E mesmo os que mais têm dificuldade podem ser levados a uma compreensão para o mundo que o cerca.

Aprender a ler não é apenas saber que B + A = A. A grande coisa é: o que se faz com esse BA? Quais possibilidades eles têm? Ler não é apenas compreender o código, mas dar significado a ele. Nivelando por baixo estaremos sempre dando baixos significados – se algum – para o instrumento mais poderoso: a leitura, a conjunção das palavras.

Pietra, que sabe que essa é uma opinião como tantas que existem, como tantas palavras em nosso idioma.